O gênero influencia a percepção sobre mudanças climáticas no Brasil?
Por Andreza Conceição, Pesquisadora na EmpoderaClima
O estudo econométrico, desenvolvido pela economista, pesquisadora e assistente na gestão de projetos na EmpoderaClima Andreza Conceição, sugere que existem diferenças de gênero no conhecimento científico, preocupação e proatividade ambiental a respeito das mudanças climáticas entre os brasileiros. A pesquisa trabalhou com os dados do questionário nacional “Mudanças climáticas na percepção dos brasileiros”, pesquisa encomendada pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-RJ), em parceria com o Programa de Mudança Climática da Universidade de Yale. Dentro deste contexto, o papel da EmpoderaClima foi trabalhar em cima dos dados secundários do questionário e identificar se gênero é uma variável relevante para a percepção sobre as mudanças climáticas das pessoas. A percepção climática, por sua vez, foi abordada em três frentes dentro do escopo da pesquisa: preocupação, conhecimento e proatividade.
O primeiro resultado encontrado é que as mulheres brasileiras, em média, têm menos conhecimento científico do que os homens sobre as mudanças climáticas, o que vai ao encontro de alguns estudos da literatura que afirmam que, devido a desigualdades na educação desde a infância, meninos são mais estimulados do que meninas no aprendizado sobre as ciências naturais e exatas.
Por conta dessa diferença, as mulheres tendem a ter menos confiança em suas habilidades científicas e de matemática, e menos expectativas de sucesso nesta área. Avaliando, então, se há diferença de gênero na percepção pessoal de quanto o(a) entrevistado(a) acha que sabe sobre o aquecimento global, os resultados apontaram que as mulheres subestimam mais o próprio conhecimento do que os homens. Em outras palavras, mesmo considerando o nível de conhecimento de cada entrevistado(a) quando perguntados sobre aquecimento global, ser mulher aumenta as chances de se ter menos confiança em relação ao seu próprio nível de conhecimento.
Um argumento bastante recorrente na literatura é o de que esta diferença de gênero é oriunda de diferenças na educação científica desde a infância e que acaba persistindo ao longo do tempo. A maioria dos argumentos centram-se na questão das diferenças de estímulo no aprendizado das ciências, e das expectativas dos papéis sociais que serão desempenhados pelos futuros homens e mulheres na sociedade. Porém, vale considerar que a evasão maior de meninas durante o período escolar devido a gravidez precoce associada a desinformação pode ter grande influência nesta diferença de gênero no conhecimento sobre aquecimento global.
Para além do gênero, os jovens e pessoas menos escolarizadas demonstram ter maior nível de conhecimento sobre aquecimento global – o que sugere duas constatações: a educação climática chega mais na juventude e por vias alternativas à educação formal (escola, faculdade etc.), como por exemplo cursos online, redes sociais, etc. Em seguida, o fator raça não parece ser relevante para determinar o nível de conhecimento científico, mas ideologia política sim: pessoas mais à esquerda são mais bem informadas sobre as mudanças climáticas. Além disso, pessoas que se informam por jornais ou revistas impressos parecem saber menos sobre o tema. Apesar dos(as) jovens terem maior nível de conhecimento, eles e elas subestimam mais do que os mais velhos o quanto acham que sabem.
É interessante que os resultados do estudo apontam que gênero é um fator importante para determinar o nível de preocupação com as mudanças climáticas – no geral, as mulheres brasileiras se mostram razoavelmente mais preocupadas com os efeitos do aquecimento global do que os homens, apesar de serem menos acuradas cientificamente sobre o tema.
Por que elas se preocupam mesmo sabendo menos? A literatura argumenta que conhecimento científico não é tão relevante para explicar preocupação ou engajamento com a pauta climática; na verdade, é a socialização de gênero que explica esta diferença (Figura 1).
Figura 1: Esquema sobre Socialização de Gênero. Elaboração própria baseada em Chan, H. W., Pong, V., & Tam, K. P. (2019)
Os teóricos da socialização de gênero esclarecem que os meninos são introduzidos a um conceito de masculinidade associado à competitividade, à independência, à razão acima das emoções, ao controle e à objetividade. Na fase adulta, é esperado que eles possam prover financeiramente à família e, eventualmente, se tornarem pais. Do mesmo modo, as meninas são ensinadas a serem cooperativas, empáticas, compassivas e a desenvolverem um censo de cuidado pelo próximo – quando crescem, a sociedade espera que elas se tornem mães.
Já a teoria ecofeminista de Merchant (1990) se baseia na semelhança entre o movimento feminista e o movimento ambientalista: a busca por igualdade. Ou seja, as mulheres lutam contra restrições sociais e econômicas que as mantêm subordinadas, enquanto os ambientalistas denunciam a exploração da natureza e suas consequências. Portanto, essa similaridade, junto com valores associados aos seus papéis sociais de cuidado e reprodução, as tornariam mais preocupadas e engajadas do que os homens com pautas ambientais. Em suma, elas estão mais preocupadas porque elas cuidam mais e são mais altruístas.
Figura 2: Comparativo de respostas a perguntas relacionadas ao meio ambiente. Fonte: Instituto de Tecnologia e Sociedade. Edição: 2021
Existe uma outra linha argumentativa que sustenta que a maior percepção de risco das mulheres vem do fato delas serem mais vulneráveis aos efeitos do aquecimento global, como apontam relatórios recentes da Organização das Nações Unidas (ONU). Este primeiro artigo, entretanto, não explorou este argumento, que pode ser relevante para compreender este gap de gênero em preocupação e proatividade. Este artigo explorou se as mulheres estão mais inquietas do que homens a respeito dos efeitos do aquecimento global sobre si ou sobre a família – e nenhum gap de gênero foi encontrado. É um resultado que vai em linha oposta àqueles que afirmam que mulheres não são muito mais preocupadas em termos gerais, mas sim em termos específicos. No artigo, são explorados outros determinantes que explicam a preocupação com as mudanças climáticas.
Por fim, o estudo da EmpoderaClima sobre percepção climática apontou que existe uma grande diferença de gênero na proatividade ambiental. Para mensurar essa variável, foi criado um índice somatório através de sete perguntas no questionário sobre comportamentos e atitudes mais ecológicas (Figura 2). Os resultados da regressão estatística mostraram que as mulheres são largamente mais proativas do que os homens. Conhecimento científico também é importante para determinar engajamento com a pauta climática, mas não tanto quanto preocupação – que exerce um papel substancial e significativo em gerar proatividade. Ou seja, embora os homens e as mulheres difiram no nível de conhecimento científico, isso tem pouco ou nenhum efeito sobre as atitudes ambientais. Na verdade, o maior engajamento social das mulheres tem origem na socialização de gênero e nos papéis sociais atribuídos a cada gênero, tornando-as preocupadas e empáticas com a causa climática e ambiental.
As mudanças climáticas talvez sejam o maior desafio da comunidade global neste século, no qual nossa performance será essencial para determinar a continuidade ou não da humanidade enquanto espécie. Neste contexto, estudos recentes revelaram que as mulheres são mais vulneráveis aos efeitos adversos dessas alterações no clima, e que as mulheres do Sul Global serão ainda mais vitimadas do que as do Norte. Por outro lado, a literatura de gênero e mudanças climáticas revela que as mulheres também são mais virtuosas do que os homens nas soluções que envolvem mitigação e adaptação. As mulheres teriam maior percepção de risco, maior predisposição a mudar comportamentos e tomar atitudes pró-clima do que os homens.
Assim, mesmo apresentando, em alguns estudos, menor conhecimento científico sobre o tema, elas se mostram mais sensitivas aos riscos oriundos desta crise, o que induz ações proativas em defesa de uma sociedade mais sustentável. A literatura empírica que estuda a dinâmica de gênero no contexto de crise climática é limitada e centrada nos países desenvolvidos. Entretanto, os impactos desiguais dessa crise impõem a necessidade de se expandir as fronteiras físicas da produção de conteúdo científico nesta área. Assim, esse estudo, ao dar este primeiro passo olhando o Brasil, abre um leque amplo de novas pesquisas em mudanças climáticas que se debruçam sobre a questão de gênero.