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De Dubai a Belém: Gênero e Clima na troika da COP

Plenária de Encerramento da COP28 em Dubai em 13 de dezembro de 2023, Emirados Árabes Unidos. Créditos da imagem: COP28 | Anthony Fleyhan

Por Carmen Roberta Taboada, Diretora de Pesquisa na EmpoderaClima

Nessa semana, começou a  29ª Conferência das Partes (COP29) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, estabelecida em 1992. O que isso significa? Entre os dias 11 e 22 de novembro de 2024, líderes e chefes de Estado de 192 países se reúnem em Baku, no Azerbaijão, para debater políticas e ações globais contra as mudanças climáticas, buscando atingir os objetivos definidos no Acordo de Paris de 2015. Dentro dessa discussão, há diversas temáticas correlacionadas que são debatidas paralelamente, como Perdas e Danos, Mitigação e Adaptação, Finanças, Transição Justa e, claro, assunto essencial para a EmpoderaClima, Gênero.

O foco da comunidade internacional já está voltado para a COP30, que será no Brasil e que será um marco de 10 anos do Acordo de Paris, com a entrega de NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) novas ou revisadas pelos países signatários do Acordo. Apesar da maior parte da atenção estar voltada para 2025, para que a Conferência do ano que vem atinja os objetivos e resultados esperados, é essencial que as negociações em Baku sejam bem sucedidas, especialmente porque a COP29 será a "COP do financiamento", tendo o propósito central de adotar uma nova meta global de financiamento climático. A EmpoderaClima está presente para acompanhar as negociações da COP29, principalmente no que diz respeito  ao tema de gênero e ao Plano de Ação de Gênero.


Para acompanhar a COP29 de forma produtiva, vale relembrar os resultados e a presença da EmpoderaClima na grandiosa COP28, que ocorreu no ano passado, entre os dias 30 de novembro e 13 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e sobre a qual vamos tratar um pouco mais ao longo deste artigo.

Considerando as decisões finais da COP27, havia altas expectativas para COP28 (para saber mais sobre, leia nosso artigo De Sharm el-Sheikh para Dubai: Aprendizados e Expectativas das Conferências do Clima). A partir dessas expectativas para a conferência em 2023, especialmente em relação às questões de gênero, a EmpoderaClima esteve presente no maior fórum global sobre mudanças climáticas, sendo representada por sete jovens mulheres latino-americanas: Cândida Schaedler, Assessora de Comunicação; Carmen Roberta Taboada, Diretora de Pesquisa; Daniela Cruz, Gerente de Projetos; Maria José Palomeque, Líder de Advocacy; Renata Koch Alvarenga, Fundadora e Diretora Executiva; Victória Rampazzo, Líder de Advocacy; e Vittoria Horch, Diretora de Gestão de Projetos.

Delegação da EmpoderaClima na COP28, em Dubai, Emirados Árabes Unidos. Créditos da imagem: EmpoderaClima.

O que fizemos na COP28?

A delegação acompanhou diversas atividades na conferência, desde organizar e participar como palestrante em vários eventos sobre gênero e clima, passando por entrevistas e reuniões, participação como ouvinte em eventos e workshops, participação em protestos, e, claro, realizar muito networking e advocacy com ativistas, instituições, representantes de governos e da iniciativa privada. O trabalho da EmpoderaClima foi intenso e, com a credencial de Party Overflow (significa que somos parte da delegação do país de origem, mesmo não sendo diplomata ou negociador oficial do evento), tivemos acesso a um dos espaços mais restritos quando se fala em conferências internacionais: as salas de negociações. Lugar em que os debates oficiais são realizados por diplomatas, representantes dos governos e outros stakeholders, as negociações giram em torno da formulação de políticas e ações que pautarão as estratégias mundiais de combate às mudanças climáticas. 

Os pontos discutidos são refletidos, ao final da conferência, em documentos oficiais, como o Global Stocktake sob o Acordo de Paris. Essa foi a primeira decisão da COP que menciona explicitamente o afastamento da sociedade em relação aos combustíveis fósseis - apesar de ainda serem escassas as terminologias de caráter mais ambicioso e operativo, o texto é visto como um marco para as discussões climáticas internacionais. Neste ano, para a COP29, o texto final irá concentrar-se no tema de financiamento climático e espera-se grandes avanços na disponibilidade de recursos globais, especialmente para o Sul Global.

Imagem ilustrativa para exemplificar alguns tipos de credenciais da UNFCCC. Créditos da imagem: Agência Jovem de Notícias

O principal assunto acompanhado pela EmpoderaClima na COP28 foi gênero. Para isso, além de participar de diferentes eventos (oficiais e paralelos) sobre o tema, estivemos presentes como ouvintes em algumas das negociações do Grupo de Trabalho de Gênero, onde acompanhamos as discussões e posições dos países referentes ao tema, observamos sub-pautas da agenda de gênero que estão em alta no cenário internacional e aprendemos como se dá uma negociação em uma conferência internacional.

Moderação, sessão informal-informal, veto, endossar um discurso… Os jargões são vários. Mas como é uma negociação na prática?

Sabendo que a sala de negociação da COP é um espaço restrito e distante para muitos - e, um tanto quanto obscuro, em especial para a sociedade civil -, vamos contar um pouco da experiência da nossa delegação. A disposição das mesas e cadeiras na sala pode variar, mas na sessão em que participamos, o formato da reunião era plenária, havendo diversas mesas em fileiras horizontais direcionadas para um pequeno palco onde a mesa da secretaria e da moderação do debate estava localizada. Em telas ao lado do palco, estava projetado o documento escrito sobre o qual se estava discutindo, negociando e editando - o qual, posteriormente, veio a ser a decisão final do grupo de trabalho de gênero.

Cada país estava representado por um ou mais diplomatas, que possuíam uma placa com o nome de seu país, a qual é utilizada não somente para identificação, como também para demonstrar interesse de ter a fala na discussão, levantando-a quando necessário. A sessão que presenciamos estava no formato de consulta informal, mas existem diversos outros, que variam conforme o objetivo e necessidade do grupo, bem como o interesse dos atores envolvidos.

Sessão do Grupo de Trabalho de Gênero na COP28. Créditos da imagem: EmpoderaClima

E o debate?

Agora que já entendemos como é o funcionamento logístico da negociação, vamos falar daquilo que todos queremos saber. E o debate, como foi? Na sessão de negociação em que participamos, as falas de cada país consistiram na defesa de suas posições quanto à terminologia de determinados conceitos, como gênero e comunidades indígenas. Isto é, estava-se discutindo não somente se essas palavras deveriam estar presentes no texto e como elas deveriam ser utilizadas (no preâmbulo ou na parte operativa do texto, por exemplo), mas também o seu significado. Você pode estar se perguntando "por que esse apego aos detalhes?". Porque cada palavra importa, tem seu peso e seu valor, que podem diferir entre as pessoas e essa diferença impacta o texto final que, por conseguinte, impacta as políticas e ações que serão feitas em âmbito global, regional e local. Assim, é possível dizer que cada negociador defendeu a posição de seu país, defendeu cada palavra, expressão e pontuação que julgava relevante. Ou seja, um jogo de poder e de palavras. É essencial entendermos a importância das palavras nos textos negociados e nos planos climáticos que os governos desenvolvem, principalmente nas NDCs que serão entregues em 2025 na COP30.

Para entender melhor esse "jogo", conversamos com alguém que acompanhou a agenda de gênero na COP28 de perto: Helena Branco, Jovem Embaixadora pelo Clima na Operação COP (The Climate Reality Project Brasil e The Climate Reality Project América Latina) e estudante de Políticas Públicas na Universidade Federal do ABC, que recebeu treinamentos sobre as negociações pelo Itamaraty e teve a oportunidade de acompanhar a diplomata brasileira Bruna Veríssimo em seu trabalho como negociadora pelo Brasil na conferência e como ponto focal brasileira de Gênero na UNFCCC.

De acordo com Helena, as negociações de gênero ocorreram somente na primeira semana da conferência, entre os dias 1º e 5 de dezembro (com exceção do dia 4), pois este seria o prazo para entrega da resolução do grupo. Com isso, totalizaram 15 horas de negociações, cada sessão com cerca de uma hora de duração normalmente e, em geral, o formato padrão era de consulta informal. Contudo, era nas sessões informal-informal que a negociação realmente avançava, pois os observadores não podiam entrar na sala e, assim, os negociadores tinham maior liberdade para conversar e, bem, negociar - principalmente temas mais sensíveis.

Seguindo a lógica do "jogo" das negociações, cada ator no tabuleiro tem seus próprios objetivos, agendas e estratégias. Nesse sentido, a Federação Russa, juntamente com Mauritânia e Arábia Saudita, liderou o bloco de países com agenda anti-gênero, cuja estratégia consistia em dificultar o debate e, logo, o consenso, negando o uso de certas palavras, como dados desagregados por sexo e gênero, grupos marginalizados, comunidades locais e comunidades indígenas.

Placar do jogo… Foi ganha-ganha? Ou foi mais para perde-perde?

Apesar da tentativa de negociação e coordenação entre os blocos de países opostos na pauta de gênero, o texto foi, aos poucos, esvaindo-se. Conceitos básicos, como direitos humanos, foram retirados do texto final, resultando em um documento de somente duas páginas. As sessões do Corpo Subsidiário de Implementação (SBI), que ocorreram em Bonn, em junho deste ano, foram fundamentais para o avanço da discussão da pauta e para articulação do próximo Plano de Ação de Gênero (Gender Action Plan - GAP). 

Vale ressaltar o workshop realizado na SBI, em que foi discutido o progresso, os desafios, as lacunas e as prioridades na implementação do Plano de Ação de Gênero e no trabalho futuro a ser realizado sobre gênero e mudanças climáticas. Apesar da discussão realizada, muito ficou pendente para a  COP29, e a EmpoderaClima continuará acompanhando a pauta no Azerbaijão e também em Belém no ano que vem.

Com isso, percebemos a necessidade de continuarmos nosso trabalho na área de gênero e clima, pois ainda não passamos pelo básico da discussão, como o próprio conceito da palavra "gênero", para pensarmos em soluções referentes à, por exemplo, adaptação e mitigação das mudanças climáticas com uma perspectiva de gênero ou financiamento climático para jovens e mulheres, entre outras diversas possibilidades. 

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