O G20 e as Mudanças Climáticas: Uma Perspectiva de Gênero
Escrito por Julia Driemeier Vieira Rosa, Pesquisadora em EmpoderaClima
Este artigo discute como o G20 abordou a crise climática na sua agenda, a partir de uma perspectiva de gênero. Ele contém informações sobre quais passos foram dados pelo Grupo dos 20 (conhecido como G20) até agora no reconhecimento dos impactos desiguais das mudanças climáticas sobre mulheres e meninas, assim como os principais obstáculos na garantia de engajamento efetivo dos membros nessa questão. O artigo termina destacando as oportunidades para o Brasil avançar na incorporação do gênero na política climática durante sua presidência do G20 e na Cúpula de 2024 no Rio de Janeiro, que ocorrerá em 18 e 19 de novembro.
O que é o G20?
O Grupo dos 20 (G20) é um fórum que une anualmente as 20 maiores economias do mundo para discutir questões globais urgentes. O grupo foi estabelecido em 1999, após a crise financeira asiática, como uma oportunidade para reunir chefes de finanças de todo o mundo. Posteriormente à crise econômica global de 2008, o grupo se expandiu para incluir Chefes de Estado, de modo a promover ainda mais a cooperação em questões internacionais para além do escopo da economia e finanças globais, incluindo discussões sobre comércio, mudanças climáticas, saúde e agricultura.
As Cúpulas anteriores do G20 foram realizadas em países como Índia, Indonésia, Argentina, França e Turquia. A Cúpula do G20 de 2024 está sendo realizada no Brasil pela primeira vez, em novembro de 2024, na cidade do Rio de Janeiro. O Brasil assumiu a presidência do grupo em dezembro de 2023, e durante seu mandato visa destacar três tópicos principais de discussão: 1) combate à fome, pobreza e desigualdade; 2) desenvolvimento sustentável; e 3) reforma da governança global.
Como o grupo abordou a intersecção entre mudanças climáticas e gênero até agora?
Discussões em igualdade de gênero foram recorrentes nas últimas Cúpulas do G20. A Declaração dos Líderes do G20 de Nova Delhi de 2023 avançou na diversificação das áreas de foco do grupo para promover a igualdade de gênero em seus países-membro, incluindo o incentivo à participação feminina na economia e no desenvolvimento; a necessidade de eliminar a lacuna de gênero na força de trabalho e nos salários; a melhoria do acesso de mulheres e meninas à educação e ao financiamento formal; e o combate à violência e aos estereótipos baseados em gênero.
Contudo, a novidade na Declaração do G20 de Nova Delhi se relaciona ao reconhecimento dos efeitos desproporcionais das mudanças climáticas sobre mulheres e meninas e à importância de aplicar uma abordagem de gênero no cerne da ação climática. O grupo, portanto, declara no 66º artigo da declaração que eles irão:
Apoiar e aumentar a participação, as parcerias, a tomada de decisão e a liderança de mulheres na mitigação e adaptação às mudanças climáticas, assim como estratégias de redução de riscos de desastres e estruturas de políticas sobre questões ambientais.
Apoiar soluções responsivas a gênero e resilientes ao meio ambiente, incluindo soluções de água, saneamento e higiene (WASH, sigla em inglês), para construir resiliência para o impacto às mudanças climáticas e à degradação ambiental.
Diferentemente do Sistema ONU (Organização das Nações Unidas) e outras instituições multilaterais, os objetivos colocados pelo G20 pelos seus membros contam com um grau maior de flexibilidade e informalidade. Como consequência, medir o desempenho dos países nestes objetivos não é feito institucionalmente. Na verdade, esse processo depende da análise feita por grupos da sociedade civil, como a Tabela de Pontuação Anual do G20 feita por Clarivate. Dessa maneira, para acessar a performance do G20 em atender a seus objetivos da promoção de uma abordagem de gênero à ação climática é necessário observar o progresso dele em integrar gênero às Contribuições Nacionalmente Determinadas (CNDs).
De acordo com o relatório da WOCAN intitulado “Gender Integration in Climate Policy: A G20 Analysis” (“Integração de Gênero na Política Climática: Uma Análise do G20”, em português), somente 20% dos membros do G20 incluíram gênero na sua política climática e, se gênero é sequer mencionado, falham em elaborar maneiras tangíveis e financeiramente sólidas para atender seus objetivos.
Como a Cúpula do G20 do Rio de Janeiro de 2024 avançou na integração de gênero à política climática?
À frente da Cúpula de 2024, delegados do Brasil deixaram claro que discussões sobre a centralização da igualdade de gênero na ação climática estarão na agenda do evento. Nos dias 13 e 14 de maio de 2024, o Grupo de Trabalho de Empoderamento de Mulheres do G20 se encontrou em Brasília, a capital do Brasil, para discutir como acelerar a integração de gênero à política climática, propondo:
Melhorar os mecanismos de medição e mapeamento sobre mudanças climáticas e gênero;
Destacar a importância dos saberes tradicionais das comunidades de mulheres e da liderança feminina na ação climática;
Apresentar experiências de sucesso da participação de mulheres e meninas em fóruns climáticos e espaços de tomada de decisão;
Melhorar mecanismos de financiamento público e privado para iniciativas climáticas responsivas a gênero e lideradas por mulheres
A Cúpula do G20 do Rio de Janeiro promove uma oportunidade ao Brasil para demonstrar liderança climática e o seu comprometimento na promoção do desenvolvimento sustentável. As mudanças climáticas serão o principal tópico na agenda do evento, assim como a pobreza, a desigualdade socioeconômica, a reforma da governança global, sobretudo no que se refere às finanças e à segurança internacionais.
Dessa forma, avançar a ação climática com um cerne em gênero requererá demandar que países-membro do G20 não somente incluam gênero em suas CNDs, mas desenhem um plano concreto para atingir seus objetivos. Com a presidência do G20, o Brasil tem a rara oportunidade para destacar essa necessidade e instar que membros tomem responsabilidades substanciais na integração de políticas de gênero e climática.
Isso foi atingido?
Por um lado, a Declaração final de Líderes do G20 do Rio de Janeiro enfatiza fortemente a necessidade de garantir igualdade de gênero e combater todas as formas de discriminação de gênero e violência contra as mulheres. No Artigo 32, a Declaração destaca a necessidade por participação igualitária no desenvolvimento e crescimento econômicos, enquanto reconhece barreiras existentes que mulheres e meninas enfrentam, tanto em esferas públicas quanto privadas. Assim, os líderes do G20 urgem que todas as formas de discriminação baseada em gênero devem ser abordadas de modo a garantir total empoderamento feminino em níveis social, político e econômico, alinhados às Declaração e Plataforma de Ação de Pequim e Objetivos de Brisbane. A Declaração também afirma que mulheres e meninas enfrentam acesso desigual à tecnologia, o que há de ser superado para reduzir a exclusão digital de gênero. Finalmente, os representantes do G20 reafirmam o interesse pelo aumento da participação feminina no Secretariado da ONU, incluindo na função de Secretária-Geral.
Por outro lado, a Declaração do G20 fracassa em avançar os objetivos colocados pelo Grupo de Trabalho de Empoderamento de Mulheres do G20 em maio de 2024 e falta incentivo para aprofundar a integração do empoderamento feminino nas CNDs de países-membro. Apesar de terem sido discutidos, pelos líderes do G20, diversos tópicos sobre justiças social e econômica, que se relacionam diretamente aos impactos desiguais das mudanças climáticas em comunidades e povos vulneráveis, e também inclusos na Declaração, não há menção específica a “justiça social” no texto final. Ademais, a única consideração a desigualdades de gênero como resultado da crise climática está incluída no Artigo 26:
26. Nós reconhecemos que o acesso a água potável segura, saneamento e higiene é um pré requisito para a saúde e nutrição e é crucial para os resultados do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, mobilizar recursos para construir sistemas de água e saneamento sustentáveis e resilientes é essencial para um futuro mais saudável e equitativo para todos. Nós, portanto, apoiamos a promoção de sistemas de água, saneamento e higiene (WASH) que sejam inclusivos, integrados, sustentáveis e com enfoque em gênero, a fim de reforçar a resiliência aos impactos da perda de biodiversidade, da mudança do clima, da degradação ambiental, de doenças transmitidas pela água, de desastres e da poluição. Para esse fim, nós saudamos o Chamado à Ação sobre o Fortalecimento dos Serviços de Água Potável, Saneamento e Higiene.
A Cúpula do G20 de 2024 está sendo realizada ao mesmo tempo que a 29ª Conferência das Partes (COP) da ONU sobre Mudanças Climáticas em Baku, no Azerbaijão. Semelhante à COP, líderes e representantes do G20 avançaram para progredir compromissos para o financiamento climático global. Portanto, a Declaração do G20 destaca a necessidade de aumentar os fluxos financeiros internacionais para a mitigação e a adaptação climáticas em trilhões de dólares como uma tentativa de garantir um objetivo de financiamento climático mais ambicioso em Baku até o fim da conferência no dia 22 de novembro de 2024. Entretanto, isso não pode acontecer sem considerar o peso do financiamento climático não-concessional sobre a crescente dívida pública dos países em desenvolvimento, levando ao aumento da desigualdade social e de gênero.