A dimensão de gênero na biodiversidade: o que esperar da COP16
Mulheres desempenham papel crucial na conservação da biodiversidade. Entenda como os países endereçam o tema na Convenção da Diversidade Biológica.
Por Cândida Schaedler, Pesquisadora da EmpoderaClima
A Convenção da Diversidade Biológica (Convention on Biological Diversity, em inglês, cuja sigla é CBD) - órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU) -, reconhece, em seu preâmbulo, “o papel vital que as mulheres têm na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica e afirma a necessidade da participação total das mulheres em todos os níveis de formulação e implementação de políticas de conservação da diversidade biológica”. Nesse aspecto, é necessário reconhecer as dimensões de gênero na discussão de biodiversidade, sobretudo diante da Conferência das Partes da CBD, chamadas de COPs da Biodiversidade.
Este ano, a 16ª COP da Biodiversidade será realizada entre os dias 21 de outubro e 1 de novembro de 2024 em Cali, na Colômbia. Qual a importância de pautar gênero em discussões sobre biodiversidade? O que os países já avançaram em torno da intersecção entre biodiversidade e gênero? O que esperar para o evento deste ano? Respondemos tudo nesta pesquisa da EmpoderaClima.
O que é a COP16 e a CDB?
A COP, ou Conferência das Partes, é o espaço de discussão e negociação mais importante da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CBD). Nesse encontro bianual, os países discutem questões relacionadas à conservação da diversidade biológica, ao uso sustentável de seus recursos e à distribuição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos, por exemplo.
A COP16, ou 16ª Conferência das Partes, será a primeira após a adoção do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal(GBF, na sigla em inglês), que ocorreu durante a COP15, em dezembro de 2022.
A COP15 foi realizada em dois momentos. O primeiro, em 2021, foi de forma virtual. O segundo, em 2022, foi presencial, em Montreal, no Canadá. Ali, foi adotado o GBF, que representa um momento-chave na preservação da biodiversidade. No documento, os 196 países signatários da ONU concordaram com quatro grandes objetivos e 23 metas relacionadas à biodiversidade, para frear, até 2050, a perda sem precedentes de espécies.
Os quatro objetivos focam em ecossistemas e saúde das espécies, incluindo o uso sustentável da biodiversidade, divisão equitativa dos benefícios e implementação de finanças para reduzir o gap do financiamento da biodiversidade em até US$ 700 bilhões por ano.
Entre as 23 metas a serem atingidas até 2030, estão a conservação de 30% das áreas de terra, mar e águas, 30% de restauração de ecossistemas degradados, frear a introdução de espécies invasivas e redução de US$ 500 bilhões de dólares por ano em subsídios prejudiciais ao meio ambiente.
Para a implementação e posterior avaliação dos avanços dos objetivos e metas em cada país, cada Estado deve criar, de acordo com o artigo 6 da Convenção Geral de Medidas para a Conservação e Uso Sustentável, estratégias nacionais, planos e programas para a conservação e uso sustentável da diversidade biológica. Além disso, cada parte deve integrar a biodiversidade, até onde é possível e apropriado, em planos, programas e políticas públicas relevantes e transversais. A isso chamam de Estratégias de Biodiversidade Nacionais e Planos de Ação (NBSAPs, na sigla em inglês), por meio das quais se acompanham os avanços para atingir os itens acordados. Na COP16, espera-se que os países apresentem seus primeiros relatórios desde a assinatura do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal.
Como a equidade de gênero é pautada nas COPs da biodiversidade?
As COPs da biodiversidade têm histórico de pautar a equidade de gênero, com avanços significativos na COP15. Metas específicas agora endereçam a inclusão de mulheres e de Comunidades Indígenas, ao enfatizar a importância da divisão equitativa de benefícios e a participação e o respeito por conhecimentos tradicionais. A meta 23 do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, por exemplo, é “garantir a equidade de gênero e uma abordagem responsiva de gênero para ação relacionada à biodiversidade”.
Além da inclusão da meta específica assinada pelos 196 países, a COP15 também adotou o Plano de Ação em Gênero (Gender Plan of Action), reconhecendo o papel crítico das mulheres e da equidade de gênero para atingir as metas relacionadas à biodiversidade. Segundo o documento, o propósito é “apoiar e promover a implementação responsiva do GBF”. Alguns objetivos específicos detalhados no Plano de Ação incluem:
Oferecer capacitação e apoio para fortalecer a atuação de mulheres e defensoras de gênero na conservação da biodiversidade.
Garantir que os recursos financeiros sejam alocados para apoiar ações e iniciativas específicas de gênero na conservação da biodiversidade.
Aprimorar a coleta e análise de dados por gênero para orientar políticas e medir o progresso na igualdade de gênero.
Conforme a organização Global Greens, que reúne mais de 100 partidos políticos ao redor do mundo comprometidos com a pauta do clima, alguns desafios permanecem para atingir a representação equitativa e garantir que os benefícios cheguem aos grupos marginalizados. Há progressos para monitorar os avanços, promover capacitações e prover proteções legais, mas é necessário foco contínuo para atingir as metas de inclusão e equidade.
Além disso, dentro da CDB há a Convenção das Mulheres (Women’s Caucus), grupo oficial que defende a pauta de gênero no âmbito da biodiversidade junto à ONU. A plataforma global é composta por mais de 250 organizações de mais de 100 países e é coordenada pela mexicana Amelia Arreguín.
Por que é importante falar da relação entre gênero e diversidade biológica?
Biodiversidade corresponde, de maneira resumida, ao número de espécies e ecossistemas em uma região. O ser humano e todas as espécies, sejam de animais ou plantas, dependem umas das outras para sobreviver. Ou seja, nossa existência no planeta depende da biodiversidade - desde o ar que respiramos até água e comida, por exemplo.
Atualmente, o planeta enfrenta uma perda da diversidade ecológica sem precedentes. Conforme um relatório da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), a abundância média de espécies nativas na maioria dos territórios diminuiu em pelo menos 20%, principalmente desde 1900. Isso se deu pelo uso da terra, poluição, desmatamento e exploração com fins econômicos.
Na conservação da biodiversidade, as mulheres desempenham um papel diferente dos homens no uso e gestão dos recursos naturais. De acordo com um texto da WEDO, os números variam conforme a região, mas na maioria dos países do Sul Global as mulheres representam figuras centrais na conservação da biodiversidade, ainda que acessem os recursos de maneira desigual em relação aos homens.
A pesquisa ainda reforça os seguintes dados:
Mulheres costumam desempenhar o papel de liderança na gestão da casa e da comunidade, controlando os padrões de consumo, coletando madeiras para gerar fogo e cozinhar, gerenciando o desperdício de comida do lar e providenciando cuidados de saúde por meio de medicinas tradicionais.
Mulheres no Sul Global carregam em média 20 litros de água por dia ao longo de 6 quilômetros.
Mulheres respondem por em torno de 60% a 80% da produção mundial de alimentos e são fundamentais na gestão de água e da floresta. Porém, possuem poucos direitos legais à terra e, globalmente, possuem menos de 2% dos títulos legais de terra.
O relatório da WEDO endossa que todos esses aspectos estão conectados à preservação da biodiversidade, uma vez que quanto mais direitos as mulheres possuem, mais se avança em conservação sistêmica e efetiva. Afinal, se elas desempenham um papel tão crucial, é imperativo que sejam integradas em políticas públicas e nas tomadas de decisão relacionadas à diversidade ecológica.
Um estudo do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED, na sigla em inglês) define a importância de iniciativas responsivas a gênero e que tenham uma abordagem de gênero transformadoras.
Responsiva a gênero (gender-responsive) vai além da identificação de questões de gênero, para incluir esforços pró-ativos para promover a participação equitativa e a distribuição de benefícios.
Ações transformadoras de gênero (gender-transformative) objetivam alterar as dinâmicas desiguais de poder, ao endereçarem as normas sociais e as restrições culturais, como o controle dos recursos biológicos.
Assim, o documento do IIED propõe que uma mudança cultural ocorra em organizações de conservação, por meio do acesso de informações sobre equidade de gênero, pela promoção de intercâmbios de conhecimento entre conservacionistas, formadores de políticas públicas e redes de mulheres, e ativamente buscando perspectivas locais.
O que esperar para a COP16 na dimensão de gênero?
A COP16 é o momento de os países apresentarem avanços e ações que tomaram em prol da implementação das 23 metas e dos objetivos assinados na COP15, como explanado em item anterior desta pesquisa. Ou seja, esta conferência será o momento de entender o que foi feito de concreto para que as mulheres adquiram mais equidade em temas transversais que concernem à diversidade ecológica: acesso à terra, direitos, participação na tomada de decisões e integração efetiva em políticas públicas.
De acordo com a organização Global Greens, como o tema biodiversidade e gênero é transversal, uma data muito esperada na COP16 é 28 de outubro, com o dia temático de Finanças e Biodiversidade. Ali, ministros de finanças e CEOs devem se engajar em diálogos sobre sistemas financeiros e de suporte para atingir os objetivos estipulados no acordo.
“Este é um dia importante para garantir que há um orçamento responsivo a gênero robusto e específico”, escreve a Global Greens.
A EmpoderaClima estará atenta às discussões e participando do evento de forma presencial.
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